terça-feira, 30 de novembro de 2010

Entrevista com o Espelho

Abaixo, colo a entrevista na íntegra para vocês:


"Na última semana, nossa equipe esteve na casa de Rodrigo Strassburger, um brasileiro que vive há quase seis meses em Dublin, na República da Irlanda. Rodrigo tem 20 anos e já completou cinco semestres ("ou quase isso", como prefere dizer) do curso de Ciências Contábeis na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No início deste ano, decidiu trancar a faculdade para buscar "mais uma experiência de vida diferente do comum" e contou com o apoio de sua família e amigos para que alcançasse tal objetivo. Visitamos o apartamento no qual atualmente mora, no coração da capital irlandesa, e fizemos algumas perguntas a ele a fim de descobrir um pouco mais sobre essa sua aventura no outro lado do Atlântico.


Rodrigo, conte-nos um pouco sobre como e por que você decidiu trancar seus estudos no Brasil para encarar essa experiência na Europa.

Bom, eu achava que o momento era esse. Em março de 2009, eu recém tinha voltado da minha primeira experiencia de intercâmbio, na qual morei e trabalhei em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Quando eu voltei, eu estava decidido a me concentrar nos estudos, adiantar a faculdade e iniciar uma boa carreira na área de contabilidade. Comecei a me preparar para alcançar esse objetivo e em agosto do mesmo ano fui contratado por uma das grandes empresas mundiais de auditoria contábil.

Infelizmente, a realidade das aulas da faculdade e a realidade do meu emprego não estavam me agradando. Sentia uma profunda insatisfação e uma revolta com tudo que estava à minha volta. Achava as aulas extremamente desinteressantes e o meu ambiente de trabalho um completo inferno. Sabia que não aguentaria aquela situação por muito tempo e que eu não merecia uma vida como aquela. Eu estava sozinho em meio a loucos repugnantes e me sentia totalmente vazio.

Era hora de mudar. Precisava conhecer lugares, conhecer pessoas. Precisava encontrar algo diferente, algo que preenchesse o meu vazio. E eu estava disposto a isso, tinha toda vontade e coragem necessária. Foi então que o Cesar e o Vicente, meus amigos e colegas da UFRGS, surgiram com a ideia de morar por 1 ano na Europa. Eles me convidaram e eu aceitei. Na época do convite eu estava recém iniciando no meu novo emprego, porém eu já estava de saco cheio de tudo. Eu senti que o momento de fazer isso era aquele, era agora ou nunca, uma chance única na vida. A oportunidade apareceu e eu aceitei na hora.


Fale um pouco sobre a sua rotina em Dublin, coisas que você geralmente gosta ou não gosta de fazer e também um pouco sobre a cidade em si.

Bem, o esqueleto do meu dia-a-dia é formado pelo curso de inglês, que começa às 9h45 e vai até às 13h. As aulas são bastantes dinâmicas e divertidas, então não é nenhum sacrifício acordar cedo para ir até a Delfin. Após a aula, a gente se reúne juntamente com o Paluza - no apartamento dele ou no nosso - para fazer o almoço. Levamos umas boas duas horas para preparar, cozinha, degustar e limpar tudo. Temos um cardápio que já está bastante diversificado, variando entre pratos que envolvem receitas com massa e vários tipos de molho, arroz, frango, ovos, coração de galinha, carne moída, peixe, brócolis e outros. Para quem no início sobrevivia apenas de massa, isso já um fenomenal avanço!

Terminado o almoço, agora no inverno possuímos apenas mais cerca de uma hora de luz solar. Esse fato, em conjunto com o frio e a sujeira que é a neve, acaba desencorajando uma eventual saída (ou aventura!) fora de casa. Contudo, quando tenho vontade - ou por necessidade -, acabo dando uma volta pela cidade, indo ao banco, ao supermercado para comprar coisas ou passando pelas lojas da Henry Street pra dar uma olhada. No verão eu costumava ir até o parque St. Stephen`s Green para ler e relaxar na grama enquanto tomava um café, mas agora isso não é mais possível. Então, se eu opto por ficar em casa, eu aproveito meu tempo para ler, estudar, escutar música, escrever para o meu blog, conversar com amigos e ver coisas interessantes ou inúteis na internet. Atualmente estou lendo "On the Road" de Jack Kerouac e também tenho ocupado meu tempo com os cursos que a Universidade de Yale disponibilizou de graça há algum tempo no seu website para aqueles que tenham curiosidade. Os cursos de psicologia, filosofia e música são bem interessantes!

À noite, eventualmente acontecem encontros ou festas com amigos ou colegas de curso em algum pub ou algum jogo de futebol que a gente acompanha pela internet. Caso contrário, eu fico em casa, ajudo na preparação da janta e continuo fazendo alguma das coisas que citei anteriormente. Todas as terças, também há uma oficina de teatro da qual participei durante um mês, inclusive ajudando no backstage de uma peça muito bem produzida. Porém, confesso que durante o mês de novembro tem faltado motivação da minha parte para caminhar por 40 minutos para ir e 40 minutos para voltar sob uma sensação térmica de -5°C.

Enfim, Dublin não é uma cidade muito grande. Isso pode ser um ponto positivo se analisado pela perspectiva de que é possível ir até praticamente todos os pontos interessantes da cidade caminhando. No entanto, realmente não há muitas opções de entreterimento, especialmente durante a temporada de neve. Prefiro muito mais uma cidade como Londres, onde é necessária a utilização do metro para chegar em diversos lugares, mas que, por outro lado, possui um leque de opções infinitmente maior.


Você tem a fama de ser um grande apreciador da vida noturna. Você considera Dublin uma boa cidade nesse quesito?

 Não sei onde vocês conseguiram essa informação! (risos). Mas seja lá quem for o informante, ele não está mentindo. Realmente uma das minhas grandes paixões é sair com os meus amigos para dançar e me divertir em alguma festa com música boa e pessoas legais. Quando eu ainda estava no Brasil, eu tinha a ideia de que as festas em Dublin seriam extremamente melhores do que as que eu frequentava em Porto Alegre. Fiquei bastante desapontado quando percebi que a realidade era bem diferente daquilo que eu havia projetado. Entre os pontos negativos, posso destacar o horário de funcionamento das festas. Elas começam a "bombar" perto de 00h30, mas às 2h30 já estão se preparando para fechar as portas. Duas horas pra mim é muito pouco! Além disso, aqui temos uma espetacular oferta de pubs com boas bandas tocando música ao vivo, mas quando o assunto é festa, balada mesmo, a oferta diminui drasticamente. É bem difícil achar algum lugar interessante para ir.

Olhando por outra perspectiva, talvez eu não considere as festas daqui tão boas quanto às do Brasil por motivos mais subjetivos. Por exemplo, segundo o meu critério, para eu classificar uma festa como excelente eu preciso de apenas três elementos: um grupo de amigos animados, música boa e bebida barata. Aqui em Dublin eu só encontro um lado dessa espécie de triângulo criada por mim: a música boa. Bebida barata é muito difícil, pois a Irlanda é um dos países em que os alcoólicos têm o preço mais alto da Europa. Quanto ao grupo de amigos animados, é também uma questão complexa, pois o nosso círculo de amizades é muito dinâmico. Toda semana grandes amigos, ou potenciais amigos, voltam para seus países de origem, sem que haja tempo suficiente para fortalecer uma relação de amizade mais madura com eles. Logo, fica bastante complicado de eu achar alguém que acompanhe meu ritmo!

Todavia, tudo tem o seu lado positivo, por mais que o lado negativo impere. No caso, com essa experiência, eu vou passar a dar muito mais valor ao que eu tenho na minha terra, não é verdade? Lá eu sei que o meu triângulo vai estar completo!



Você divide o apartamento com outros dois amigos seus. Como está a relação entre vocês três vivendo juntos no mesmo apartamento após tantos meses?

Está muito boa. Antes de virmos para cá, algumas pessoas falavam que, por mais que já fossemos bons amigos, teríamos problemas devido ao longo tempo de convivência. Até agora, felizmente isso não ocorreu e acredito que nem irá ocorrer. Nós nos respeitamos bastante e tudo funciona na base do bom senso. Por exemplo, não possuímos nenhuma espécie de regra ou programa a seguir para decidir quem vai cozinhar, limpar a casa ou lavar a louça no dia. Tudo acontece espontaneamente. Se eu não estou a fim de ajudar na preparação da comida, eu vou ajudar depois na limpeza da cozinha e vice-versa. Não é necessária cobrança entre as partes para que determinada tarefa seja realizada. Essa falta de cobrança e o uso do bom senso evita eventuais brigas ou discussões bobas entre a gente e com certeza é o fator fundamental para a nossa boa convivência.

Há também a questão do "quarto do líder", que é o quarto em que há apenas uma cama e a pessoa pode dormir sozinha. No início, tentamos criar uma regra que dizia que a cada domingo trocaríamos a pessoa detentora do direito de ser o "rei". Entretanto, era muito trabalhoso fazer essa mudança todos os domingos. Depois, tentamos adotar uma espécie de competição cujo vencedor receberia como prêmio o almejado quarto. Porém, se continuássemos com esse método, teria gente que iria conseguir desfrutar da privacidade só agora no mês de novembro! (risos).  Então, com o tempo, acabamos utilizando a regra do bom senso também para esse caso. Quando alguém percebe que já está há muito tempo usufruindo dos inúmeros privilégios que tal quarto pode oferecer, a pessoa oferece essa regalia ao próximo da fila e assim por diante.

Portanto, podemos afirmar que o grupo está fechado, como diriam os jogadores de futebol, ou que a gente é uma família, como diram os BBBs.


Você já conheceu pessoas que você já pode considerar como grandes amigos e de quem você não pretende perder contato no futuro?

Felizmente, posso dizer que sim. Aqui as principais amizades surgem na escola, porém a maioria dos alunos são europeus e vêm para cá para estudar por apenas algumas semanas. Portanto, acabamos criando laços maiores com aqueles que porventura ficam por aqui por um período de tempo maior. É o caso do Rafael Paluza, de Curitiba; a Hyelim Kim, cujo apelido é Lim Lim, da Coreia do Sul; a Sara e o Alex, da Itália, e o Oscar, de Madri.

O Paluza eu conheci por acaso pela internet quando ainda estávamos no Brasil. Tornamo-nos amigos virtuais e quando ele chegou aqui, um mês depois da gente, ele passou a ser um grande amigo nosso, chegando a morar conosco por algumas semanas enquanto procurava um apartamento para ele. Agora ele mora aqui perto e está toda hora enchendo o nosso saco! Com certeza manteremos o contato com ele quando estivermos no Brasil, seja em Porto Alegre, seja em Curitiba ou em outra cidade qualquer.

A Lim Lim é uma coreana que possui um coração enorme. Está sempre de bom humor, ri de qualquer coisa, participa de todas nossas festas, está sempre disposta a ajudar... Enfim, um exemplo de amiga. Além disso, de vez em quando ela cozinha um delicioso jantar coreano para a gente e quase em todo o intervalo de aula ela me dá um chocolate! (risos). Ela disse que gostaria muito de visitar o Brasil, o que eu penso que seria uma experiência muito engraçada e que eu adoraria que acontecesse!

A Sara e o Alex são um casal meio, digamos, exótico. Demoramos um mês para perceber que eles eram namorados, pois o relacionamento deles é estranho assim mesmo. Mas, o que importa, é que ambos são pessoas maravilhosas. Foram excelentes amigos enquanto estiveram aqui em Dublin e, quando visitamos a cidade deles na Itália, eles foram duas vezes excelentes. Mostraram-nos toda Brescia e nos presentearam com uma cesta básica de comida italina, que, claro, é "a única comida que presta no planeta". A Sara virá nos visitar novamente semana que vem e ela pretende ir ao Brasil em 2011, assim como a Lim Lim. Estamos ansiosos para que isso ocorra também!

Já o Oscar foi o cara que mais agitou Dublin e a Delfin na história. Com seu jeito hiperativo, engraçado e companheiro, foi outro grande amigo nosso durante o verão. Não havia final de semana sem festa e quarta-feria sem Diceys quando ele estava aqui. Semana passada, ouvimos uns gritos vindos do lado de fora da casa e, quando vimos, era ele batendo na nossa porta. Ele veio de surpresa passar um fim de semana com a gente. Curtimos bastante e todos nós sabemos que temos um lugar para ficar quando estivermos em Madri e a recíproca é verdadeira caso ele visite Porto Alegre.

Fico muito feliz ao pensar nas amizades que fiz aqui. Isso só deixa mais claro que o mundo é realmente enorme e que podemos encontrar pessoas especiais em qualquer canto do planeta. Meio piegas, mas é a realidade.


No início da entrevista, você disse que no Brasil você sentia que faltava alguma coisa no seu interior. Você conseguiu achar aquilo que você procurava para preencher o seu "vazio"?

Não. E não creio que um dia eu vá achar, pois nem sei o que é! (risos). Falando sério, acredito que o vazio era apenas um estado de extrema insatisfação com tudo e uma vontade enorme de conhecer coisas novas, de sair daquela pacata rotina. Era também uma busca por novas visões que de alguma  forma pudessem agregar ao modo como eu vejos as pessoas e o mundo. Obtive isso no meu primeiro intercâmbio porém precisava de mais visões. Foi viciante. Se o vazio era realmente isso, então eu posso afirmar que encontrei o "recheio", mesmo que eu não tenha percebido do que ele é feito ainda.


Então quer dizer que você se considera satisfeito com essa sua experiência?

Ainda não, pois ainda não colhi seus frutos, mas espero fazê-lo no futuro. Vou explicar: enquanto eu vivia nos EUA e logo depois que eu havia voltado para o Brasil, eu pouco tinha mudado na minha forma de analisar os fatos. Porém a mudança foi ocorrendo aos poucos, ao longo dos meses seguintes. Eu comecei a achar muito curioso o comportamento das pessoas sobre determinados assuntos e passei a indagar muito a "lógica natural" imposta pela socieade em algumas áreas. Foi uma mudança interessante e positiva, no meu ponto de vista. E, na minha opinião, foi resultado da minha viagem. 

No entanto, no momento em que estamos "vivendo a viagem" talvez não sejamos capazes de assimilar tamanha quantidade de novas informações nem a dimensão e a grandeza disso tudo. A mudança vem com o tempo, depois de reflexões, depois de baixar a poeira. Só então torna-se possível analisar os pontos bons e ruins das esferas "vida agora" e "vida fora" e escolher aqueles que melhor se moldam à sua personalidade e à sua percepção de mundo.


Você não sente saudades da sua cidade, da sua família e de seus amigos? Como lidar com isso?

Claro que sinto e acredito que todo mundo sentiria. Porém é preciso ter em mente que a saudade faz parte do momento e o momento vale a pena. Já parei algumas vezes para pensar como seria se eu decidisse voltar para casa agora e percebi que, além da saudade, o que me faz ter vontade de retornar é a curiosidade de ver como as coisas estão na minha "vida real", se é que posso chamá-la assim. A questão é que, por experiência, eu sei que continua tudo praticamente igual. E isso choca bastante a gente nos primeiros momentos pós-retorno, pois temos a noção de que 3 meses ou 1 ano é tempo demais, quando na verdade não é. Foi incrível como eu fiquei em "estado de choque" nas primeiras semanas após o retorno dos EUA. Eu reclamava para minha mãe que estava me sentindo estranho, mas não sabia explicar por que! (risos).

Observando agora, talvez esse meu "estranho" fosse fruto das expectativas que eu tinha de que muita coisa estava diferente, sendo que absolutamente nada havia mudado na minha vida. Por isso eu me esforço pra anular a curiosidade e tento me concentrar nas coisas boas que acontecem ou que podem acontecer por aqui. Quando tudo começa a entrar numa monótona rotina, é hora de criar ou viver algo novo. E é isso que venho tentando fazer.

Por outro lado, anular a saudade é algo mais complicado, senão impossível. O que podemos fazer é minimizá-la através da internet, o que muitas vezes tem o efeito contrário, pois compartilhar bons momentos virtualmente não é nem de perto a mesma coisa do que na realidade. Então a vontade de estar fisicamente ao lado da pessoa de quem tu gosta acaba aumentando! Não há o que fazer, mas, pessoalmente, eu tento manter a ideia de que "um ano passa muito rápido" bem viva na minha cabeça. Talvez adiante para algo.


Para finalizar, quais seus planos para o seu futuro próximo?

Fazer com que a segunda metade da minha viagem seja tão proveitosa quanto a primeira. Já estou bastante ansioso para a próxima semana, pois será a "semana dos shows", um termo bastante criativo criado por mim e pelo Cesar. (risos). Estou muito feliz com a oportunidade de poder ver ao vivo Vampire Weekend, Arcade Fire, Two Door Cinema Club e Kings of Leon. Aliás, esqueci de comentar antes, mas um ponto fortemente positivo a respeito de Dublin é a questão dos shows. Aqui temos inúmeras oportunidades para presenciar as melhores bandas do momento. Muito provavelmente 2010 será o ano em que eu mais terei ido em shows na minha vida. Bom, nunca se sabe, né? Mas é o que tudo indica...

Para o final de ano, já estamos com tudo reservado para passar o Reveillon em Londres, o que também será um momento inesquecível. Eu amei a semana que passamos na Terra da Rainha em setembro e fico muito animado ao pensar que poderei aproveitar mais alguns dias por lá. E durante o ano novo ainda por cima! Demais!

Durante os dois primeiros meses de 2011, vou me concentrar em terminar meu curso de inglês e curtir meus últimos momentos na Irlanda, pois em março irei para Berlim. Decidi mudar meus planos iniciais e ir estudar alemão em um curso intensivo na capital germânica por três meses. Essa ideia surgiu após visitar o país em outubro e ter gostado muito do que vi. Somou-se a isso o fato de que tenho um forte interesse pela língua alemã e também o apoio dos meus pais, para que assim eu pudesse concretizar mais esse sonho. Acredito que será mais uma vivência impagável e creio que Berlim tem muito mais a minha cara do que Dublin. Vamos ver. Vamos viver!

Finalmente, em junho voltarei para Dublin por alguns dias para dar um adeus para os amigos que aqui ficam e, em seguida, se nada mais sair dos seus trilhos, eu viajarei de volta para o Brasil.


E pro futuro a longo prazo?

Sinceramente? Não sei. Não faço a mínima ideia... São tantas coisas que podem acontecer que é sempre bom deixar uma página em branco para poder escrever quando a vontade e a necessidade aparecem."


Dublin,  29 e 30 de novembro de 2010



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Essas Coisas

1

Essa ilusão
Essa paixão
Essa certeza
Essa saudade
.
Essa surpresa
Essa queda

2

Essa tentativa
Essa esperança
Essa força
Essa luta
.
Essa inércia
Essa dor

3

Essa falta
Essa dúvida
Essa ausencia
Essa amargura
.
Essa realidade
Essa desilusão

4

Essa dura certeza...
...
...que faz com que eu fique mudo diante de tanta necessidade de falar. Que faz com que minhas esperanças percam suas cores e fiquem desbotadas em frações de segundos. Que faz o gelo da neve prevalecer sobre sua maciez. Que faz com que eu tenha que repensar e recomeçar sem ao menos lembrar do ponto de partida.
Porque nesse caso 1 é pouco e 2 é ruim. E 3 aí é demais.

5

Ainda tem muita coisa e isso me deixa feliz. Um bolo quase já se foi. Mas ainda tem um inteirinho esperando por mim. E talvez nesse tenha uma cereja bem grande, bem doce e suculenta. Só não posso esquecer de degustá-la com calma, pois depois ainda tem a parte misteriosa porém poderosamente revigorante e duradoura.
Ah, essas festas...

domingo, 28 de novembro de 2010

Delfin is Different

Grande parte da minha vida aqui em Dublin é preenchida pelo meu curso de inglês, então nada mais justo do que falar um pouco sobre a nosssa escola, a Delfin. Para começar, Delfin não é uma palavra em inglês, mas sim do vocabulário espanhol. Significa golfinho (meigo, não?!). Bom, talvez essa preferencia do diretor pela língua espanhola seja a responsável pelo incrível número de alunos vindos daquele país. Isso pode ser visto como um ponto negativo, pois - como eu já disse noutra oportunidade - o sotaque deles é, no mínimo, irritante. Porém, creio que se a maioria dos alunos fosse formada por outros brasileiros - como ocorre em diversas escolas de inglês aqui -, daí sim eu iria ficar decepcionado. Viajar 16 horas de avião para estudar numa escola lotada de pessoas do mesmo país? Não soa ser uma experiência muito emocionante... Portanto, "Viva España!"

Sobre a aula em si eu não tenho nada a reclamar. Apesar de já ter vindo para cá com uma boa bagagem e experiência da língua, toda semana eu aprendo muita coisa nova, especialmente em termos de vocabulário. Claro que algumas das novas palavras são um tanto quanto inúteis e provavelmente eu nunca vou usá-las e com o tempo serão apagadas da minha memória pra dar espaço pra coisas mais proveitosas. É o caso de Chiropractor, que traduzindo seria o nosso famoso "quiropraxista". Bom, com certeza a culpa é minha e eu sou muito alienado, mas eu não sabia da existência dessa palavra/profissão até semana passada. E, mais importante, não sabia que inclusive a Unisinos possui um curso de Quiropraxia (informações obtidas com o Vico)! Agora estou muito curioso pra conhecer um quiropraxista pessoalmente...  Enfim, esse exemplo também demonstra o quão frustante é quando a pessoa não sabe o significado da palavra em inglês e pede ajuda pro dicionário. Só que ao olhar a tradução do dicionário ela também não compreende o termo em português! É um excelente modo de conhecer a frustração um pouco mais de perto.

Agora o que realmente faz da Delfin diferente não são as boas aulas, boa estrutura, colegas do mundo inteiro, etc. O que eu acho mais legal são os funcionários, o diretor e as atividades extra-classes. Não raro são realizadas festas no próprio prédio da escola, com a presença de todos alunos e de todo staff. Todo mundo alegremente alterado e feliz. O diretor principalmente; geralmente ele merece o troféu etílico da noite. Essa relação de amizade entre todos é que faz da Delfin diferente, sem nenhum rastro de autoridade ou algo do tipo (meigo de novo, não?!).

O ápice da "legalzice" da Delfin foi durante essas duas últimas semanas, quando os professores começaram a distribuir "Delfin Dollars" para quem tivesse um bom rendimetno nas aulas. Essas estalecas poderiam ser trocadas por cerveja na última festa da escola que ocorreu em um pub! É um sistema revolucionário e digno de um estudo aprofundado. Creio que a adoção de tal medida por todas as instituições de ensino iria contribuir para um aprendizado de maior qualidade por parte do aluno. Estudaríamos por prazer! Não é lindo?! Não bastasse essa caridade do diretor, no dia da festa ele deve ter gasto uns bons 500 euros apenas por pagar diversas cevas pra todo mundo que quisesse e depois ele ainda foi pra outra festa com a galera. Ah, esqueci de mencionar o nome dele. É Gareth o nome da figura. Grande exemplo de pessoa. Admiro.

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Esse foi um breve resumo sobre como é a nossa escola de inglês aqui em Dublin. Para maiores informações vocês podem acessar a entrevista que o Cesar e o Vicente fizeram para um blog. Porém, tenham cuidado na leitura. Interpretações equivocadas já renderam discussões internacionais. Segue o link: http://www.vidanairlanda.com/2010/10/estudar-na-irlanda-delfin-english-school.html







segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O Poder de uma Boa Câmera

Temos que cuidar com o que vemos. Às vezes uma boa produção faz com que coisas horríveis melhorem bastante o seu visual. Se eu não tivesse escrito o texto abaixo, agora eu poderia perfeitamente mentir para vocês, dizendo que tudo foi maravilhoso e ninguém iria duvidar.

Segue o vídeo da campanha Scrooges da Sony para este Natal em Dublin:




Achei bem legal o resultado.
Deu até vontade de sofrer mais uma vez!
Interessante...

domingo, 14 de novembro de 2010

Scrooge - Apenas um relato para futura leitura

Dormir a 1h30 e acordar às 4h30 de uma segunda. Madrugada escura, gelada e úmida, pra variar. Eu, Cesar, Vicente e Paluza caminhamos por uma Dublin obviamente muda. Na O`Connell pegamos um táxi até o Hampton hotel. No caminho, o Sr. Taxista puxou o clássico assunto que sempre é puxado com brasileiros - "e o que aconteceu com a seleção de futebol de vocês, hein?". Na verdade, com o fim da Copa fazia tempo que alguém não tocava nesse tema, mas ele sempre surge de tempos em tempos. Afinal, no Brasil só existe futebol, carnaval, praia e macacos (esse último conceito revelado pela nossa simpática vizinha polonesa durante a festa de aniver do Cesar). Como  sobre carnaval o pessoal não entende bem, praia é algo distante demais para eles e macacos não estão contidos no caderninho de possíveis assuntos dos taxistas, sobrou o futebol. E o tempo.

Chegamos no hotel animados, pois nos disseram que teríamos um café da manhã. E realmente tinha! Tinha uma térmica com bastante café passado... E só. Bom, eles disseram que teria café e cumpriram, que legal. Após tomarmos o nosso delicioso café da manhã, começamos a vestir a nossa fantasia. Uma fantasia muito bem elaborada e de extrema complexidade - praticamente um lençol branco com mangas e algo branco  - que no caso seriam as meias do nosso personagem - pra cobrir os tênis  A fantasia era completada por um gorro branco com uma espécie de mullets - também branco - que tínhamos que grampear atrás do tal gorro. Depois passamos pra sessão de maquiagem, na qual fomos submetidos a um tratamento intensivo de tinta branca (óbvio) com alguns detalhes em outras cores. E pra finalizar, pra deixar tudo perfeito, tinha a barba  de coooooor... . . . branca. Igual à famosa barba do Papai Noel. Aí é que começa o problema.  O nosso personagem não era o Papai Noel, e sim o Scrooge.

O Scrooge é o personagem principal do livro "A Christmas Carol", escrito em 1843 por Charles Dickens. Na história, Scrooge é um homem frio, duro e de mau humor que não gosta de Natal, assim como o Grinch. Só pensa no seu trabalho e em ganhar dinheiro e também não gosta de pobres. Ao longo da história - a qual só li o início pois o importante era saber as características do Scrooge - várias coisas acontecem e no fim o final é feliz e traz à tona o famoso "espírito natalino", pois, não se esqueçam, a história é sobre o Natal. Há também inúmeros filmes sobre a história, sendo que o último foi lançado em forma de animação pela Disney, com Jim Carrey dublando nosso querido amigo rabugento.

Depois desse parágrafo explicativo, corta a cena e voltemos pro Hampton Hotel. Como vocês devem ter percebido, nosso figurino era algo bastante exótico. Além de nós 4, havia mais 36 pessoas  (90% formado por brasileiros falidos em terras irlandesas) com a mesma fantasia. Seríamos divididos em grupos de 10 e sairíamos pelas ruas de Dublin com um jornal na mão que promovia uma promoção da Sony. Porém teríamos que interpretar o personagem também, então deveríamos falar coisas como "Bah, besteira!", "Eu odeio o Natal!", "Abaixo ao Natal, blabla" e andar com um ar de revoltado. "Então, animados e confiantes, viramos os Scrooges e fizemos muito sucesso na cidade!!!"

Rebubinando a fita. Algo não está batendo. A nossa fantasia era péssima, Parecia-se com tudo, menos com o Scrooge. Instruções adequadas não nos foram concedidas - não sabíamos como agir em diversas situações e nem o que falar. Estas frase anti-natal a gente pegou por conta própria lendo o livro ou vendo vídeos. O líder do nosso grupo era mais perdido do que a gente, era comum ele não saber pra onde ir. O jornal que a gente segurava pecava pela falta de destaque à promoção. Não havia nada que identificasse a marca Sony a não ser um "Sony" perdido entre outras palavras na machete do jornal fake. Simplesmente jogaram a gente no meio da rua com uma roupa e maquiagem que assustava pela feiura e disseram "façam o que tem que ser feito! uhuul!". Uhul.

Agora sim. Vamos de novo... "Então, ainda um pouco animados e sem confiança alguma, viramos algo que não era o Scrooge e fizemos sucesso pela cidade. Por motivo de piada, claro.". Era evidante que não daria certo.

Pra começar, apenas 15% das pessoas reconheciam quem a gente era. O que a gente mais ouvia era:
- "Quem são vocês?"
- "São Papais Noeis?"
- "Oi Papel Noeeel!" - por crianças pequenas
- "Buáááá!" - por crianças pequenas
- "Vocês são elfos ou algo do tipo?" - Nerds
- "Dumbledore!!!" - fãs de Harry Potter

E quando a gente revelava nossa identidade a resposta era uma cara de espanto. Dava pra ler na mente da pessoa "coitados...". Após o problema identificação, surgia o problema propósito. Por que a gente tava fazendo aquilo? Qual era o motivo? Principais enganos:
- Achei que vocês tavam fazendo um protesto contra o Natal
- Achei que fosse um daqueles negócios de combinar pela internet de fazer algo maluco
- Pensei que era pra arrecadar dinheiro ou algo do tipo
- Ah, mas então vocês não são retardados?!

Assim que, finalmente, explicávamos que era uma promoção da Sony, as pessoas respondiam "que legal, conte-me mais". Porém a gente não sabia mais, pois o mais não nos foi explicado. Não tínhamos noção de como funcionava a promoção, então pedíamos que perguntassem ao nosso líder de grupo, um grande sabichão irlandês. Sabichão... Saaaa.bichão. Rá!

Enfim, foram 8 horas de muita caminhada. Em alguns momentos eu ficava louco - pois louco sou, - e conseguia encarnar o personagem de maneira bem convincente. Saía gritando pela Henry Street que odiava o natal, fingia brigar com um amigo imaginário no orelhão, mantinha o contato visual com as pessoas, etc. Mas aos poucos fui cansando disso tudo, pois percebi que ninguém tava nem aí pra nada. Então mudei de personagem. Inspirei-me no sol que temos agora por essas terras: tímido, breve e escondido.

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Como deu pra perceber, o texto foi convenientemente finalizado, pois estava achando um saco escreve-lo.
Entretanto, vale a pena ressaltar que o Cesar foi vítima de duas agressões: um guri e depois uma guria Irish deram um soco no jornal que ele estava segurando. Porém o jornal estava na frente da cara dele. Um bom jeito de terminar seus 19 aninhos. Mas não tão bom como começar seus 20 #casodobox


X

Perdido. Confuso. Onde está o "X" vermelho do meu mapa? De vez em quando ele pisca, mas agora parece que a bateria acabou. É interessante como coisas que a gente acredita que são duras como rochas de repente se derretem formando um lago verde-musgo, denso e pegajoso. E isso te torna mais pesado, mais lento.

Explosões acontecem. Brilhos perdidos na escuridão calada. Fazem com que a nossa atenção se volte para o momento, porém o momento não é completo sem as lembranças.
Seria uma relação de dependencia enganosa. Ou de enganosa dependencia?

domingo, 7 de novembro de 2010

Lembranças - Dedicatória ao Chicken Fillet Roll

Às vezes as pessoas me perguntam qual é a comida típica da Irlanda. Começo a pensar e não chego à conclusão alguma. Poderia dizer que é peixe e batata, o famoso fish n` chips, mas esse tem a fama de ser inglês, então não vale. Mas então, qual seria o típico prato irlandês??? Seria aquele que sentirei falta quando eu voltar pro Brasil. Seria aquele que eu vou ficar com desejo de comer mas não vou encontrar em lugar algum. Seria aquele que lembrarei em sonhos e quando eu acordar estarei triste por não encontrá-lo.

Tanto tempo pensando, tentando encontrar a resposta... E nunca percebi que ela estava ao meu lado. Muito mais simples do que parecia ou do que eu imaginava. Assim como muitas outras coisas na vida.

Apresento o grandioso Chicken Fillet Roll, ou enrolado de filé de galinha.



O Chicken Fillet Roll é uma das poucas idéias boas dos irlandeses. Ele é bastante simples, tem em todas as esquinas, mas varia bastante de lugar para lugar. Nada mais é do que um pão baguete preenchido com maionese ou margarina, duas saladas de sua opção (alface e tomate é o clássico) e, é claro, a galinha empanada. Mas não para por aí, pois é possível escolher entre galinha normal ou apimentada (falando nisso, levou um tempo pra descobrir que eles chamam a galinha normal de plain chicken. Então, enquanto eu não agregava essa palavra ao meu vocabulário, eu me virava pedindo uma galinha "not spicy". Puxa, esse foi um parênteses realmente grande...). Tudo isso por sabe quanto? Apenas 1,99 euros. Em alguns lugares custa 2,99 com latinha de Coca inclusa. É um preço bem barato considerando que o Big Mac com batata e refri médio custa quase 6 euros.

Essa famosa especiaria pode ser encontrada em várias redes de mercados, como o Centra ou o Spar, que possuem uma área destinada para a preparação da mesma e de outros lanches. Algumas diferenças entre os dois: no Spar o queijo é considerado como sendo uma salada, então podemos escolhe-lo como parte dos 2 recheios possíveis sem pagar mais por isso. No Centra eles cobram 60 cents. No Spar eles aquecem o pão também de graça e com sorriso no rosto, enquanto no Centra ou eles não aquecem, ou eles cobram por isso, ou eles fazem de má vontade. Então vocês devem estar pensando, "ah, então não tem motivo para comer o Chicken Fillet Roll do Centra" (a partir de agora vou chamar o Chicken Fillet Roll de CFR, ok?). 

É aí que vocês se enganam... Na vida nem sempre o mais racional leva vantagem, muitas vezes somos guiados por emoções, às vezes tão intensas que nos fazem ficar cegos diante de uma verdade bastante sólida. Relutamos para aceitar ou acreditar.

Foi no Centra que descobrimos o CFR. Ele que nos abriu a porta para um novo mundo. Não entedíamos a sistemática da coisa (esse negócio de opcões deixa a gente confuso), mas o preço parecia atrativo. Arriscamos. E petiscamos. Foi uma descoberta maravilhosa, algo que já salvou nossas vidas inúmeras vezes.  Tá com pressa pra comer? CFR. Não quer cozinhar? CFR. Tá apenas com desejo de comer CFR? CFR.

Nós moramos praticamente em cima de um Centra 24h (apesar de que o CFR só é vendido até as 17h), então podemos dizer que o próprio Centra já salvou nossas vidas inúmeras vezes. Outro ponto a favor é que no Temple Bar, região em que se concentra a maioria dos pubs e festas da cidade, existe um Centra 24h que vende CFR 24h! E é de lá que eu aguardo a minha lembrança mais intensa e prazerosa...

...Estava eu saindo de uma festa, sozinho numa madrugada ainda não tão fria aqui em Dublin. Eu não tinha jantado, pois quando eu havia saído de casa ainda era cedo - já que as festas começam e terminam cedo -, então eu tava "varado de fome", como diria Maria do Carmo em Senhora do Destino (sério, eu odiava quando ela falava isso com aquele sotaque forçado). Então naquele momento eu esbanjei: além da maionese, alface e tomate, eu pedi pra colocar queijo e bacon. Não satisfeito eu pedi pra aquecer. Eu sei que no total deu uns 4 euros de tanto extra que eu coloquei. Mas valeu a pena. Muito a pena. Era como se vários pedaços meus estivessem espalhados pelo chão e de repente alguém os juntasse e colasse tão perfeitamente que ninguém nunca notaria o ocorrido. Eu tava morrendo. E ressuscitei. Ressuscitei com aquele queijinho derretido combinando perfeitamente com a galinha apimentada. Com aquele gostinho de fatias de bacon bem suculentas. Completado com um pão que de tão macio se desmanchava na boca... Foi a perfeição, o ápice dos Chicken Fillet Roll (agora ele mereceu ser citado por completo). Melhor que qualquer Xis no Cavanhas na larica ou dogão da tia pós festa.

Por outro lado, em uma noite de terça, voltando do teatro, resolvi comer o CFR do Spar pois no Centra eu teria que esperar 5 minutos pois estavam preparando a galinha. Nessas horas é que os ditados populares são de grande valia e te fazem sentir idiota por não seguí-los - "apressado come cru". Foi horrível, deveriam processar quem me vendeu aquilo. A galinha tava totalmente velha e dura. Foi um desgosto pra mim. Logo eu, que tinha uma imagem de perfeição do CFR formada na minha cabeça, fui obrigado a engolir aquilo a seco ainda! Quase me recusei a comer em respeito aos outros CFR, mas a fome era grande e eu não cogitava a hipótese de chegar em casa e cozinhar ou de ter que desembolsar mais alguns euros. Foi amargo. E duro. Mas o fiz.

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Muitos falam que o que guardamos de uma experiência são lembranças e não os momentos em si. Se alguém perguntar como foi uma viagem que fizemos, nós iremos responder baseado apenas em lembranças e não no que realmente aconteceu ou no que realmente sentimos na época - pois o que vivemos é agora e único. E geralmente lembranças extraordinárias acabam por ofuscar aquelas menos intensas, mas que são também de grande valia para o conjunto.

Talvez seja verdade. Se alguém me perguntar como é um CFR, eu direi que é perfeito, baseado na minha experiência maravilhosa naquela madrugada, mesmo que tenham ocorrido outra não tão boas assim... Isso não significa que, de fato, seja perfeito sempre e para todos. Tudo varia, tudo depende. Só arriscando e vivendo para saber. Não podemos nos basear pelas lembranças dos outros,  pois são apenas... lembranças... Temos que nós mesmos sentir e apalpar o único e o novo.

Talvez também seja por isso que mesmo diante de tantas vantagens nitidamente visíveis eu ainda prefira o Chicken Fillet Roll do Centra. Minhas lembranças afetam minhas emoções que por sua vez acinzetam minha percepção. Porém, para não ser injusto com o Spar, eu continuo dando chance para ele, pois quem sabe algum dia ele me conceda uma experiencia e uma lembrança tão boa quanto a do Centra. E pra provar isso, segue uma foto de um delicioso Chicken Fillet Roll do Spar aberto. Nesse dia eu pedi com queijo e tomate (acredite, tem tomate embaixo disso tudo) e mandei aquecer. Utilizei de todos os diferenciais que o Spar oferece sem cobrar nada por isso... Hmmm, uma delícia!

 
PS.: Não deveria ter escrito isso a essa hora da noite. Não, eu não vou enfrentar 2km de chuva, 5 graus e vento de 40km/h por um mísero enrolado de filé de galinha. Não vou!!!!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ligando os Pontos

Começou como uma aventu-ra.
pidamente o gosto foi crescen-do.
minando o seu ser.
teza de que seria -bom.
bardeou o espírito por comple-to.
mado por uma paixão escaldan-te.
meu ao aceitar o que estava ób-vio.
que não tinha outra op-ção.
coisas que aconte-cem.
que ninguém tenha contro-le.
vantou da cama de maneira decidi-da.
ria seu tudo por aquela linda paisa-gem.
tilmente caminhou pela cida-de.
"ssa vez não pas-sa."
iu de vez do seu abafado casu-lo.
tou seu coração de vi-da
diva da infinita existên-cia
cabou em a-mor
reu de dor.
Dormiu sem fim.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Apunhalado pelas Costas (ou como perdi o meu amor)

Hoje vou contar como sofri minha primeira desilusão amorosa aqui em Dublin. Na verdade, nós 3 sofremos. E muito.

Era uma noite amena de quase verão, uma noite de alegria mas também de despedidas. Despedidas dos nossos melhores amigos espanhóis. Houve uma grande festa na casa do Oscar, mais de 100 pessoas em um apartamento em que não cabe nem 40. Teve gente transbordando pela escada do prédio. Polícia também teve, claro. Reza a lenda que houve 10 denúncias para a Garda (polícia irlandesa), todas requisitando o fim da nossa celebração. E assim foi feita a vontade de deus, ou seja, do povo. Fim de festa, todo mundo pra fora. Mas nesse momento ninguem mais se importava com nada mesmo. Tudo é lindo, a vida é bela e somos apenas emoção. Razão? Descartamos Descartes da nossa dimensão.

Madrugada fria de um quase inverno, grande parte do grupo ainda junto dando os últimos abraços e as últimas calorosas declarações de amizade. Acompanhamos o Oscar até o táxi na O`Connell Street e mais um abraço foi dado. "Boa viagem, Oscar, nos aguarde para o Natal em Madrid.". Após o aceno final, ainda desolados, avistamos, do outro lado da rua, aquele que mudaria a nossa vida por alguns meses. Sozinho, abandonado, triste, melancólico. Estava lá, estático, o nosso grande futuro amor: um carrinho de supermercado. Repare que este é um item raro na terra da Guinness, pois para utilizar tal meio de transporte dentro do supermercado a pessoa precisa colocar uma moeda e ela só consegue a moeda de volta caso devolva o carrinho no seu devido lugar. Uma espécie de "depósito de segurança". Por mais que seja alguns centavos, quando dinheiro é envolvido as pessoas pensam 10 vezes mais em seus atos. Já quando Euros são envolvidos, as pessoas pensam 25 vezes mais.

Foi amor à primeira vista. Minhas pernas tremeram, faltou-me o ar, meu coração explodiu. Corri para o meu - para o nosso! - carrinho como alguém que corre para acessar suas mídias sociais após um longo período de 2 horas fora de casa. Pulei dentro dele, pois senti que exatamente assim ele queria que eu fizesse. E eu o fiz. Nisso os guris se aproximaram e, com os olhos brilhando, começaram a me empurrar, começaram a me girar. Gira, gira, gira, girassol... Vento na cara, frescor de amor. Liberta emoção, tu é o rei do mundo... Êxtase puro, um feito para o outro. Laika e combo.

Passado o primeiro momento de entorpecimento passional, seguimos então com a Jema (leia-se "Rema" pra ficar menos esquisito) para acompanhá-la até sua casa - sem desgrudar do carrinho, óbvio. Falando nisso, a Jema foi uma das grandes personagens da nossa viagem. Espanhola, casada, mais velha que nós mas com um coração muito especial. E eu estou sendo sincero. Possuia um inglês quase fluente, utilizando gírias locais que nos impressionava pela sua coerencia, tais como "a very kiss for guys" quando queria se referir a "um grande beijo para os meninos".

Foram algumas centenas de metros coloridos que percorremos. Trocávamos fervorosamene entre nós 3 a vez do piloto do carrinho. Todos queriam sentir um pouquinho daquele prazer infinito. A Jema observou o nosso encanto e comentou com seu amigo Aitor - em off - uma frase marcante, que está guardada na memória do Vico até hoje e que ficará para sempre: "Olha para esses meninos, Aitor! São seres humanos sinceros, puros. Eles não se importam com dinheiro, não se importam com status. São apenas felizes" (tradução livre do original "See for boys, Aitor! Human are pure, have dont worry because money but not status so. They like just happy!"). Mal sabia ela que o que ela estava vendo não era apenas uma demonstração de felicidade, mas de amor. Dos fortes.

A nossa primeira noite foi inesquecível, como toda primeira noite deve ser. Mas o melhor estava por vir: dias, semanas, talvez meses de deleite. Cuidávamos do nosso carrinho como um jovem cuida de sua carteira na madrugada Viamonense. Era o nosso bem mais precioso. Utilizávamos como sofá, às vezes como cama. Também como mesa e varal para secar roupar. Porta-mochila, chapelaria... Mil e uma utilidades. Tinhamos planos para o futuro também. Não víamos a hora de levá-lo para passear nas ruas de Dublin, para que ele pudesse admirar o que nunca tinha enxergado. Assim ele poderia andar na chuva, no frio, na neve... E quem sabe até levaríamos ele para fazer o que ele mais gostava: carregar sacolas de compras...

 

...Infelizmente, o destino nos pregou uma peça, e essa foi das grandes. Foi quando o lobo saiu da sua fantasia feita de pele de cordeiro e mostrou suas garras asquerosas.

Estávamos na parte final da nossa Eurotrip. Havíamos deixado a nossa outra metade da laranja em casa, pois dizia ela que tinha medo de aviões. Bobinha... Como não nos sentíamos confortáveis em deixá-la sozinha em casa por dias e mais dias, incubimos nosso amigo Paluza de verificar seguidamente se estava tudo bem com  a nossa amada. Numa dessas visitas, o Paluza encontrou um bilhete em cima da nossa mesa. Era um bilhete do PJ, o nosso Landlord, o proprietário do nosso imóvel alugado. O Paluza nos ligou e falou que o bilhete dizia algo sobre o carrinho, mas ele não havia conseguido traduzir. O PJ sempre foi um senhor muito gente boa, muito simpático e divertido (aliás, talvez ele mereça um texto só para ele aqui). Seu bigodinho transmite segurança e ele sempre foi muito ágil quando precisávamos de uma ajuda. Portanto, não demos muita bola para o tal bilhete, apenas pensamos em 3 possibilidades sobre o que estaria escrito:

1 - "Eaí meus inquilinos, como vocês estão?! Curtindo essa Eurotrip?! Puxa, vim pegar o dinheiro do aluguel e percebi que agora vocês tem um carrinho de supermercado no apartamento. Que demais, adorei a idéia!!"

2 - "Fala meus queridos brasileiros, tudo certo?! Nossa, um carrinho de supermercado!! Só vocês mesmo, hein! Vê se eu posso, hahahaha..."

3 - "Um carrinho de supermercado?! Eu sempre quis ter um, vou aproveitar que vocês não estão aqui para roubá-lo!! hehehehe, brincadeirinha!"

Então pegamos a conexão Paris-Dublin pela Ryanair e chegamos na "terra da cerveja", como diria uma amiga nossa e conhecida de muitos. Abrimos a porta, entramos no apê, tudo normal. "Puxa, o bilhete do PJ, tinha até esquecido! Vamos ver..."

Pane. Turbulência. Defeito. Erro fatal. Problema. Terremoto. Tsunami. Congelado. Frio. Medo. Amargura. Decepção. Solidão...

"Garotos, o que é isso? Um carrinho de supermercado??? Vamos nos livrar disso, por favor. Ass.: PJ"

Livrar
Mercado
Super
Isso
Livrar
Carrinho
...

Essas palavras ainda são lançadas em minha memória como se fossem agulhas.
Um carrinho de supermercado? Nos livrar DISSO? Nunca!! Quem ele pensa que é???

Nisso olhamos para o canto da sala e estava ali nosso carrinho, triste porém firme. Todo metalizado (o amor cura até eventuais ferrugens). Lindo como sempre. Ele disse que a culpa não era nossa, era dele. Ele agradeceu por tudo, disse que foi muito feliz, mas que passou. Ele disse que queria a nossa felicidade e queria o melhor pra nós. Ele agradeceu novamente. Ele disse que acabou.

No fundo não queríamos acreditar no que estava acontecendo, sabíamos que ele estava fazendo isso para salvar as nossas vidas, mas ele não cedeu. Foi bravo. Seguimos com ele até a Bolton Street. Atravessamos a Bolton Street. Avistamos um beco e uma marquise. Era ali, tinha que ser ali, protegido da chuva e dos nackers. Momentos e lembranças vieram à tona. Olhos marejados, desespero tomando conta. POR QUÊ?! Noite cheia de vida inútil...

Não tivemos coragem de olhar pra trás. Corremos de volta para o nosso apartamento. Nosso não, apartamento do PJ. Aquele ingrato que se aproveitoiu da nossa distancia para nos apunhalar pelas costas. Ah, mas um dia a vingança virá...

Ao menos as lembranças ficam. Carrinho, aonde quer que você esteja, saiba que a distancia não irá acabar com o meu sentimento por ti. Sinto saudades todos os dias e lembro-me de como fomos felizes, mesmo que por apenas um mês de convivencia próxima. Não sei se vou te encontrar novamente no futuro (é tudo o que eu sonho todos os dias), mas sei que me arrependo de não ter aproveitado mais o tempo que eu tinha contigo. Espero que tu esteja muito feliz e espero que eu tenha te feito feliz, pois tu é especial, tu é único e tu merece.

Beijos




terça-feira, 2 de novembro de 2010

Trocadilhos

Tudo o que ele queria ele não sabia. A recíproca era verdadeira. Ele queria tudo. Não sabia nada. Suportar tal ciclo não foi simples. Tudo porque ele queria ser tudo porque ele queria ser tudo...

Escuro. Ele não desistiu, pois é tudo uma voltinha sob o suave som do sereno. E aquele cheiro distante fazia com que acreditasse. Sereno mundo envolto de sereno mundo envolto de sereno...

Dia. Tendo tudo ele não achou nada nem ninguém pra sentir consigo. Sinta! Sente! Sente comigo e me diga o que tu sente comigo e me diga o que tu sente...

Perigo. Do meu lado – compartilha o nada. Nada comigo como se nunca fosse te afogar em nada comigo como se nunca fosse te afogar em nada...

Real. Ele não sabia o que tinha. Tinha sim medo do escuro. E quando fecharam as portas e apagaram as luzes ele sentiu... serenamente... E soube. Só sabia que não podia ficar só sabia que não podia ficar só...

Então

Então eu cheguei. Assustado, curioso, ansioso. Temendo. Túnel mórbido com pedras exuberantes. Tremendo. Tudo acontecendo tão rápido, uma mistura, um desespero. Não dá tempo de assimilar, o brilho é muito intenso. Só consigo deixar a energia entrar e nada mais. Eu to aqui! Meu lugar é aqui! Explosão de felicidade, grito de liberdade!!!

Então eu fiquei. Calmo, estranho, pensativo, inquieto. Tremi. Corredor amplo com paredes de gelo. Temi. Tudo está indo tão devagar, um monólogo, um silêncio. Assimilo tudo, mas de maneira opaca. Nem o gelo consegue ser derretido mais... Eu to aqui... Meu lugar é aqui... Explosão. Grito.

Então eu continuei.