domingo, 14 de novembro de 2010

Scrooge - Apenas um relato para futura leitura

Dormir a 1h30 e acordar às 4h30 de uma segunda. Madrugada escura, gelada e úmida, pra variar. Eu, Cesar, Vicente e Paluza caminhamos por uma Dublin obviamente muda. Na O`Connell pegamos um táxi até o Hampton hotel. No caminho, o Sr. Taxista puxou o clássico assunto que sempre é puxado com brasileiros - "e o que aconteceu com a seleção de futebol de vocês, hein?". Na verdade, com o fim da Copa fazia tempo que alguém não tocava nesse tema, mas ele sempre surge de tempos em tempos. Afinal, no Brasil só existe futebol, carnaval, praia e macacos (esse último conceito revelado pela nossa simpática vizinha polonesa durante a festa de aniver do Cesar). Como  sobre carnaval o pessoal não entende bem, praia é algo distante demais para eles e macacos não estão contidos no caderninho de possíveis assuntos dos taxistas, sobrou o futebol. E o tempo.

Chegamos no hotel animados, pois nos disseram que teríamos um café da manhã. E realmente tinha! Tinha uma térmica com bastante café passado... E só. Bom, eles disseram que teria café e cumpriram, que legal. Após tomarmos o nosso delicioso café da manhã, começamos a vestir a nossa fantasia. Uma fantasia muito bem elaborada e de extrema complexidade - praticamente um lençol branco com mangas e algo branco  - que no caso seriam as meias do nosso personagem - pra cobrir os tênis  A fantasia era completada por um gorro branco com uma espécie de mullets - também branco - que tínhamos que grampear atrás do tal gorro. Depois passamos pra sessão de maquiagem, na qual fomos submetidos a um tratamento intensivo de tinta branca (óbvio) com alguns detalhes em outras cores. E pra finalizar, pra deixar tudo perfeito, tinha a barba  de coooooor... . . . branca. Igual à famosa barba do Papai Noel. Aí é que começa o problema.  O nosso personagem não era o Papai Noel, e sim o Scrooge.

O Scrooge é o personagem principal do livro "A Christmas Carol", escrito em 1843 por Charles Dickens. Na história, Scrooge é um homem frio, duro e de mau humor que não gosta de Natal, assim como o Grinch. Só pensa no seu trabalho e em ganhar dinheiro e também não gosta de pobres. Ao longo da história - a qual só li o início pois o importante era saber as características do Scrooge - várias coisas acontecem e no fim o final é feliz e traz à tona o famoso "espírito natalino", pois, não se esqueçam, a história é sobre o Natal. Há também inúmeros filmes sobre a história, sendo que o último foi lançado em forma de animação pela Disney, com Jim Carrey dublando nosso querido amigo rabugento.

Depois desse parágrafo explicativo, corta a cena e voltemos pro Hampton Hotel. Como vocês devem ter percebido, nosso figurino era algo bastante exótico. Além de nós 4, havia mais 36 pessoas  (90% formado por brasileiros falidos em terras irlandesas) com a mesma fantasia. Seríamos divididos em grupos de 10 e sairíamos pelas ruas de Dublin com um jornal na mão que promovia uma promoção da Sony. Porém teríamos que interpretar o personagem também, então deveríamos falar coisas como "Bah, besteira!", "Eu odeio o Natal!", "Abaixo ao Natal, blabla" e andar com um ar de revoltado. "Então, animados e confiantes, viramos os Scrooges e fizemos muito sucesso na cidade!!!"

Rebubinando a fita. Algo não está batendo. A nossa fantasia era péssima, Parecia-se com tudo, menos com o Scrooge. Instruções adequadas não nos foram concedidas - não sabíamos como agir em diversas situações e nem o que falar. Estas frase anti-natal a gente pegou por conta própria lendo o livro ou vendo vídeos. O líder do nosso grupo era mais perdido do que a gente, era comum ele não saber pra onde ir. O jornal que a gente segurava pecava pela falta de destaque à promoção. Não havia nada que identificasse a marca Sony a não ser um "Sony" perdido entre outras palavras na machete do jornal fake. Simplesmente jogaram a gente no meio da rua com uma roupa e maquiagem que assustava pela feiura e disseram "façam o que tem que ser feito! uhuul!". Uhul.

Agora sim. Vamos de novo... "Então, ainda um pouco animados e sem confiança alguma, viramos algo que não era o Scrooge e fizemos sucesso pela cidade. Por motivo de piada, claro.". Era evidante que não daria certo.

Pra começar, apenas 15% das pessoas reconheciam quem a gente era. O que a gente mais ouvia era:
- "Quem são vocês?"
- "São Papais Noeis?"
- "Oi Papel Noeeel!" - por crianças pequenas
- "Buáááá!" - por crianças pequenas
- "Vocês são elfos ou algo do tipo?" - Nerds
- "Dumbledore!!!" - fãs de Harry Potter

E quando a gente revelava nossa identidade a resposta era uma cara de espanto. Dava pra ler na mente da pessoa "coitados...". Após o problema identificação, surgia o problema propósito. Por que a gente tava fazendo aquilo? Qual era o motivo? Principais enganos:
- Achei que vocês tavam fazendo um protesto contra o Natal
- Achei que fosse um daqueles negócios de combinar pela internet de fazer algo maluco
- Pensei que era pra arrecadar dinheiro ou algo do tipo
- Ah, mas então vocês não são retardados?!

Assim que, finalmente, explicávamos que era uma promoção da Sony, as pessoas respondiam "que legal, conte-me mais". Porém a gente não sabia mais, pois o mais não nos foi explicado. Não tínhamos noção de como funcionava a promoção, então pedíamos que perguntassem ao nosso líder de grupo, um grande sabichão irlandês. Sabichão... Saaaa.bichão. Rá!

Enfim, foram 8 horas de muita caminhada. Em alguns momentos eu ficava louco - pois louco sou, - e conseguia encarnar o personagem de maneira bem convincente. Saía gritando pela Henry Street que odiava o natal, fingia brigar com um amigo imaginário no orelhão, mantinha o contato visual com as pessoas, etc. Mas aos poucos fui cansando disso tudo, pois percebi que ninguém tava nem aí pra nada. Então mudei de personagem. Inspirei-me no sol que temos agora por essas terras: tímido, breve e escondido.

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Como deu pra perceber, o texto foi convenientemente finalizado, pois estava achando um saco escreve-lo.
Entretanto, vale a pena ressaltar que o Cesar foi vítima de duas agressões: um guri e depois uma guria Irish deram um soco no jornal que ele estava segurando. Porém o jornal estava na frente da cara dele. Um bom jeito de terminar seus 19 aninhos. Mas não tão bom como começar seus 20 #casodobox


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