terça-feira, 2 de março de 2010

Cuidado com a sua camisa

Estou escrevendo isso durante o trabalho. É apenas mais uma entre outras “irregularidades” que estou cometendo.

Aqui o cabelo tem que ser curto e bem aparado. O meu está comprido – faz mais de 3 meses que não corto -, meio estilo argentino, meio estilo Kings of Leon... A barba não pode existir. A minha está naquele estágio de crescimento, fica aquela coisa meio rala/falhada. Sem falar nas inúmeras outras regras que temos que seguir.

 Por exemplo, temos que trabalhar de roupa social, mas não podemos utilizar camisa escura, pois “camisa escura não transparece credibilidade”. Tem que ser clara.

Faz meses que eu fico pensando na possível relação entre cor da camisa e credibilidade. Ainda não achei nenhuma. O máximo que me explicaram foi que os vilões das novelas sempre estão com camisa escura. Além de eu nunca ter reparado nisso, eu achei esse argumento, no mínimo, estúpido.

Na verdade, o que eu acho que aconteceu foi o seguinte: certo dia o grande diretor da empresa foi perguntado sobre o porquê de sempre usar camisas claras. Ele então respondeu que camisas claras traziam muito mais credibilidade à sua imagem. Era só reparar no vilão sem credibilidade alguma da novela (o Marconi Ferraço ou qualquer outro) – ele sempre vestia camisas escuras!

Como o grande diretor tinha poder sobre os demais, já que todo mundo queria estar no lugar dele – ou melhor, ter a conta bancária dele -, essa teoria sem embasamento algum foi levada adiante. Ninguém teve coragem de contestar o grande mestre. Todo mundo passou a crer cegamente que camisa escura não transparece credibilidade. Ninguém se deu ao trabalho de parar, analisar e pensar “Ei, isso faz algum sentido? A cor da minha camisa é capaz de influenciar a minha personalidade?”

Foi mais cômodo seguir as regras e padrões estabelecidos (atenção nesse ponto). E coitado de quem for trabalhar com alguma camisa que tenha cor que não seja clara. Será alvo de brincadeiras, ganhará apelidos, será chamado atenção. Na verdade, será o centro das atenções – de uma forma negativa.

Quando recém tinha entrado na empresa eu utilizava com freqüência minhas camisas pretas, por motivo de gosto pessoal. Encheram tanto o meu saco que num determinado momento eu pensei “tá bom, eu desisto. Vou fazer como vocês querem. Me deixem em paz!”.

E agora só utilizo minhas camisas azuis, brancas, lilás (lilases?) e afins.

Mas o que é relevante é que essa história da camisa funciona pra várias outras “lendas e regras” inventadas, acreditadas, seguidas e impostas pela sociedade. Alguém diz que algo é certo sem explicação racional alguma; pessoas aceitam passivamente essa regra; começam, então, a segui-la e colocam pressão para que todas as outras pessoas também a sigam. E ai de quem for diferente!

No caso da camisa eu não tive forças pra continuar lutando. Desisti da liberdade em poder usar a camisa que mais gosto. Mas pelo menos eu percebi que cor da camisa não tem anda a ver com credibilidade e que ninguém aqui tem coragem de contestar essa falsa verdade. E a percepção já é um início. Já é válida...


PS.: Hoje pedi demissão do meu emprego.

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