Abaixo, colo a entrevista na íntegra para vocês:
"Na última semana, nossa equipe esteve na casa de Rodrigo Strassburger, um brasileiro que vive há quase seis meses em Dublin, na República da Irlanda. Rodrigo tem 20 anos e já completou cinco semestres ("ou quase isso", como prefere dizer) do curso de Ciências Contábeis na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No início deste ano, decidiu trancar a faculdade para buscar "mais uma experiência de vida diferente do comum" e contou com o apoio de sua família e amigos para que alcançasse tal objetivo. Visitamos o apartamento no qual atualmente mora, no coração da capital irlandesa, e fizemos algumas perguntas a ele a fim de descobrir um pouco mais sobre essa sua aventura no outro lado do Atlântico.
Rodrigo, conte-nos um pouco sobre como e por que você decidiu trancar seus estudos no Brasil para encarar essa experiência na Europa.
Bom, eu achava que o momento era esse. Em março de 2009, eu recém tinha voltado da minha primeira experiencia de intercâmbio, na qual morei e trabalhei em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Quando eu voltei, eu estava decidido a me concentrar nos estudos, adiantar a faculdade e iniciar uma boa carreira na área de contabilidade. Comecei a me preparar para alcançar esse objetivo e em agosto do mesmo ano fui contratado por uma das grandes empresas mundiais de auditoria contábil.
Infelizmente, a realidade das aulas da faculdade e a realidade do meu emprego não estavam me agradando. Sentia uma profunda insatisfação e uma revolta com tudo que estava à minha volta. Achava as aulas extremamente desinteressantes e o meu ambiente de trabalho um completo inferno. Sabia que não aguentaria aquela situação por muito tempo e que eu não merecia uma vida como aquela. Eu estava sozinho em meio a loucos repugnantes e me sentia totalmente vazio.
Era hora de mudar. Precisava conhecer lugares, conhecer pessoas. Precisava encontrar algo diferente, algo que preenchesse o meu vazio. E eu estava disposto a isso, tinha toda vontade e coragem necessária. Foi então que o Cesar e o Vicente, meus amigos e colegas da UFRGS, surgiram com a ideia de morar por 1 ano na Europa. Eles me convidaram e eu aceitei. Na época do convite eu estava recém iniciando no meu novo emprego, porém eu já estava de saco cheio de tudo. Eu senti que o momento de fazer isso era aquele, era agora ou nunca, uma chance única na vida. A oportunidade apareceu e eu aceitei na hora.
Fale um pouco sobre a sua rotina em Dublin, coisas que você geralmente gosta ou não gosta de fazer e também um pouco sobre a cidade em si.
Bem, o esqueleto do meu dia-a-dia é formado pelo curso de inglês, que começa às 9h45 e vai até às 13h. As aulas são bastantes dinâmicas e divertidas, então não é nenhum sacrifício acordar cedo para ir até a Delfin. Após a aula, a gente se reúne juntamente com o Paluza - no apartamento dele ou no nosso - para fazer o almoço. Levamos umas boas duas horas para preparar, cozinha, degustar e limpar tudo. Temos um cardápio que já está bastante diversificado, variando entre pratos que envolvem receitas com massa e vários tipos de molho, arroz, frango, ovos, coração de galinha, carne moída, peixe, brócolis e outros. Para quem no início sobrevivia apenas de massa, isso já um fenomenal avanço!
Terminado o almoço, agora no inverno possuímos apenas mais cerca de uma hora de luz solar. Esse fato, em conjunto com o frio e a sujeira que é a neve, acaba desencorajando uma eventual saída (ou aventura!) fora de casa. Contudo, quando tenho vontade - ou por necessidade -, acabo dando uma volta pela cidade, indo ao banco, ao supermercado para comprar coisas ou passando pelas lojas da Henry Street pra dar uma olhada. No verão eu costumava ir até o parque St. Stephen`s Green para ler e relaxar na grama enquanto tomava um café, mas agora isso não é mais possível. Então, se eu opto por ficar em casa, eu aproveito meu tempo para ler, estudar, escutar música, escrever para o meu blog, conversar com amigos e ver coisas interessantes ou inúteis na internet. Atualmente estou lendo "On the Road" de Jack Kerouac e também tenho ocupado meu tempo com os cursos que a Universidade de Yale disponibilizou de graça há algum tempo no seu website para aqueles que tenham curiosidade. Os cursos de psicologia, filosofia e música são bem interessantes!
À noite, eventualmente acontecem encontros ou festas com amigos ou colegas de curso em algum pub ou algum jogo de futebol que a gente acompanha pela internet. Caso contrário, eu fico em casa, ajudo na preparação da janta e continuo fazendo alguma das coisas que citei anteriormente. Todas as terças, também há uma oficina de teatro da qual participei durante um mês, inclusive ajudando no backstage de uma peça muito bem produzida. Porém, confesso que durante o mês de novembro tem faltado motivação da minha parte para caminhar por 40 minutos para ir e 40 minutos para voltar sob uma sensação térmica de -5°C.
Enfim, Dublin não é uma cidade muito grande. Isso pode ser um ponto positivo se analisado pela perspectiva de que é possível ir até praticamente todos os pontos interessantes da cidade caminhando. No entanto, realmente não há muitas opções de entreterimento, especialmente durante a temporada de neve. Prefiro muito mais uma cidade como Londres, onde é necessária a utilização do metro para chegar em diversos lugares, mas que, por outro lado, possui um leque de opções infinitmente maior.
Você tem a fama de ser um grande apreciador da vida noturna. Você considera Dublin uma boa cidade nesse quesito?
Não sei onde vocês conseguiram essa informação! (risos). Mas seja lá quem for o informante, ele não está mentindo. Realmente uma das minhas grandes paixões é sair com os meus amigos para dançar e me divertir em alguma festa com música boa e pessoas legais. Quando eu ainda estava no Brasil, eu tinha a ideia de que as festas em Dublin seriam extremamente melhores do que as que eu frequentava em Porto Alegre. Fiquei bastante desapontado quando percebi que a realidade era bem diferente daquilo que eu havia projetado. Entre os pontos negativos, posso destacar o horário de funcionamento das festas. Elas começam a "bombar" perto de 00h30, mas às 2h30 já estão se preparando para fechar as portas. Duas horas pra mim é muito pouco! Além disso, aqui temos uma espetacular oferta de pubs com boas bandas tocando música ao vivo, mas quando o assunto é festa, balada mesmo, a oferta diminui drasticamente. É bem difícil achar algum lugar interessante para ir.
Olhando por outra perspectiva, talvez eu não considere as festas daqui tão boas quanto às do Brasil por motivos mais subjetivos. Por exemplo, segundo o meu critério, para eu classificar uma festa como excelente eu preciso de apenas três elementos: um grupo de amigos animados, música boa e bebida barata. Aqui em Dublin eu só encontro um lado dessa espécie de triângulo criada por mim: a música boa. Bebida barata é muito difícil, pois a Irlanda é um dos países em que os alcoólicos têm o preço mais alto da Europa. Quanto ao grupo de amigos animados, é também uma questão complexa, pois o nosso círculo de amizades é muito dinâmico. Toda semana grandes amigos, ou potenciais amigos, voltam para seus países de origem, sem que haja tempo suficiente para fortalecer uma relação de amizade mais madura com eles. Logo, fica bastante complicado de eu achar alguém que acompanhe meu ritmo!
Todavia, tudo tem o seu lado positivo, por mais que o lado negativo impere. No caso, com essa experiência, eu vou passar a dar muito mais valor ao que eu tenho na minha terra, não é verdade? Lá eu sei que o meu triângulo vai estar completo!
Você divide o apartamento com outros dois amigos seus. Como está a relação entre vocês três vivendo juntos no mesmo apartamento após tantos meses?
Está muito boa. Antes de virmos para cá, algumas pessoas falavam que, por mais que já fossemos bons amigos, teríamos problemas devido ao longo tempo de convivência. Até agora, felizmente isso não ocorreu e acredito que nem irá ocorrer. Nós nos respeitamos bastante e tudo funciona na base do bom senso. Por exemplo, não possuímos nenhuma espécie de regra ou programa a seguir para decidir quem vai cozinhar, limpar a casa ou lavar a louça no dia. Tudo acontece espontaneamente. Se eu não estou a fim de ajudar na preparação da comida, eu vou ajudar depois na limpeza da cozinha e vice-versa. Não é necessária cobrança entre as partes para que determinada tarefa seja realizada. Essa falta de cobrança e o uso do bom senso evita eventuais brigas ou discussões bobas entre a gente e com certeza é o fator fundamental para a nossa boa convivência.
Há também a questão do "quarto do líder", que é o quarto em que há apenas uma cama e a pessoa pode dormir sozinha. No início, tentamos criar uma regra que dizia que a cada domingo trocaríamos a pessoa detentora do direito de ser o "rei". Entretanto, era muito trabalhoso fazer essa mudança todos os domingos. Depois, tentamos adotar uma espécie de competição cujo vencedor receberia como prêmio o almejado quarto. Porém, se continuássemos com esse método, teria gente que iria conseguir desfrutar da privacidade só agora no mês de novembro! (risos). Então, com o tempo, acabamos utilizando a regra do bom senso também para esse caso. Quando alguém percebe que já está há muito tempo usufruindo dos inúmeros privilégios que tal quarto pode oferecer, a pessoa oferece essa regalia ao próximo da fila e assim por diante.
Portanto, podemos afirmar que o grupo está fechado, como diriam os jogadores de futebol, ou que a gente é uma família, como diram os BBBs.
Você já conheceu pessoas que você já pode considerar como grandes amigos e de quem você não pretende perder contato no futuro?
Felizmente, posso dizer que sim. Aqui as principais amizades surgem na escola, porém a maioria dos alunos são europeus e vêm para cá para estudar por apenas algumas semanas. Portanto, acabamos criando laços maiores com aqueles que porventura ficam por aqui por um período de tempo maior. É o caso do Rafael Paluza, de Curitiba; a Hyelim Kim, cujo apelido é Lim Lim, da Coreia do Sul; a Sara e o Alex, da Itália, e o Oscar, de Madri.
O Paluza eu conheci por acaso pela internet quando ainda estávamos no Brasil. Tornamo-nos amigos virtuais e quando ele chegou aqui, um mês depois da gente, ele passou a ser um grande amigo nosso, chegando a morar conosco por algumas semanas enquanto procurava um apartamento para ele. Agora ele mora aqui perto e está toda hora enchendo o nosso saco! Com certeza manteremos o contato com ele quando estivermos no Brasil, seja em Porto Alegre, seja em Curitiba ou em outra cidade qualquer.
A Lim Lim é uma coreana que possui um coração enorme. Está sempre de bom humor, ri de qualquer coisa, participa de todas nossas festas, está sempre disposta a ajudar... Enfim, um exemplo de amiga. Além disso, de vez em quando ela cozinha um delicioso jantar coreano para a gente e quase em todo o intervalo de aula ela me dá um chocolate! (risos). Ela disse que gostaria muito de visitar o Brasil, o que eu penso que seria uma experiência muito engraçada e que eu adoraria que acontecesse!
A Sara e o Alex são um casal meio, digamos, exótico. Demoramos um mês para perceber que eles eram namorados, pois o relacionamento deles é estranho assim mesmo. Mas, o que importa, é que ambos são pessoas maravilhosas. Foram excelentes amigos enquanto estiveram aqui em Dublin e, quando visitamos a cidade deles na Itália, eles foram duas vezes excelentes. Mostraram-nos toda Brescia e nos presentearam com uma cesta básica de comida italina, que, claro, é "a única comida que presta no planeta". A Sara virá nos visitar novamente semana que vem e ela pretende ir ao Brasil em 2011, assim como a Lim Lim. Estamos ansiosos para que isso ocorra também!
Já o Oscar foi o cara que mais agitou Dublin e a Delfin na história. Com seu jeito hiperativo, engraçado e companheiro, foi outro grande amigo nosso durante o verão. Não havia final de semana sem festa e quarta-feria sem Diceys quando ele estava aqui. Semana passada, ouvimos uns gritos vindos do lado de fora da casa e, quando vimos, era ele batendo na nossa porta. Ele veio de surpresa passar um fim de semana com a gente. Curtimos bastante e todos nós sabemos que temos um lugar para ficar quando estivermos em Madri e a recíproca é verdadeira caso ele visite Porto Alegre.
Fico muito feliz ao pensar nas amizades que fiz aqui. Isso só deixa mais claro que o mundo é realmente enorme e que podemos encontrar pessoas especiais em qualquer canto do planeta. Meio piegas, mas é a realidade.
No início da entrevista, você disse que no Brasil você sentia que faltava alguma coisa no seu interior. Você conseguiu achar aquilo que você procurava para preencher o seu "vazio"?
Não. E não creio que um dia eu vá achar, pois nem sei o que é! (risos). Falando sério, acredito que o vazio era apenas um estado de extrema insatisfação com tudo e uma vontade enorme de conhecer coisas novas, de sair daquela pacata rotina. Era também uma busca por novas visões que de alguma forma pudessem agregar ao modo como eu vejos as pessoas e o mundo. Obtive isso no meu primeiro intercâmbio porém precisava de mais visões. Foi viciante. Se o vazio era realmente isso, então eu posso afirmar que encontrei o "recheio", mesmo que eu não tenha percebido do que ele é feito ainda.
Então quer dizer que você se considera satisfeito com essa sua experiência?
Ainda não, pois ainda não colhi seus frutos, mas espero fazê-lo no futuro. Vou explicar: enquanto eu vivia nos EUA e logo depois que eu havia voltado para o Brasil, eu pouco tinha mudado na minha forma de analisar os fatos. Porém a mudança foi ocorrendo aos poucos, ao longo dos meses seguintes. Eu comecei a achar muito curioso o comportamento das pessoas sobre determinados assuntos e passei a indagar muito a "lógica natural" imposta pela socieade em algumas áreas. Foi uma mudança interessante e positiva, no meu ponto de vista. E, na minha opinião, foi resultado da minha viagem.
No entanto, no momento em que estamos "vivendo a viagem" talvez não sejamos capazes de assimilar tamanha quantidade de novas informações nem a dimensão e a grandeza disso tudo. A mudança vem com o tempo, depois de reflexões, depois de baixar a poeira. Só então torna-se possível analisar os pontos bons e ruins das esferas "vida agora" e "vida fora" e escolher aqueles que melhor se moldam à sua personalidade e à sua percepção de mundo.
Você não sente saudades da sua cidade, da sua família e de seus amigos? Como lidar com isso?
Claro que sinto e acredito que todo mundo sentiria. Porém é preciso ter em mente que a saudade faz parte do momento e o momento vale a pena. Já parei algumas vezes para pensar como seria se eu decidisse voltar para casa agora e percebi que, além da saudade, o que me faz ter vontade de retornar é a curiosidade de ver como as coisas estão na minha "vida real", se é que posso chamá-la assim. A questão é que, por experiência, eu sei que continua tudo praticamente igual. E isso choca bastante a gente nos primeiros momentos pós-retorno, pois temos a noção de que 3 meses ou 1 ano é tempo demais, quando na verdade não é. Foi incrível como eu fiquei em "estado de choque" nas primeiras semanas após o retorno dos EUA. Eu reclamava para minha mãe que estava me sentindo estranho, mas não sabia explicar por que! (risos).
Observando agora, talvez esse meu "estranho" fosse fruto das expectativas que eu tinha de que muita coisa estava diferente, sendo que absolutamente nada havia mudado na minha vida. Por isso eu me esforço pra anular a curiosidade e tento me concentrar nas coisas boas que acontecem ou que podem acontecer por aqui. Quando tudo começa a entrar numa monótona rotina, é hora de criar ou viver algo novo. E é isso que venho tentando fazer.
Por outro lado, anular a saudade é algo mais complicado, senão impossível. O que podemos fazer é minimizá-la através da internet, o que muitas vezes tem o efeito contrário, pois compartilhar bons momentos virtualmente não é nem de perto a mesma coisa do que na realidade. Então a vontade de estar fisicamente ao lado da pessoa de quem tu gosta acaba aumentando! Não há o que fazer, mas, pessoalmente, eu tento manter a ideia de que "um ano passa muito rápido" bem viva na minha cabeça. Talvez adiante para algo.
Para finalizar, quais seus planos para o seu futuro próximo?
Fazer com que a segunda metade da minha viagem seja tão proveitosa quanto a primeira. Já estou bastante ansioso para a próxima semana, pois será a "semana dos shows", um termo bastante criativo criado por mim e pelo Cesar. (risos). Estou muito feliz com a oportunidade de poder ver ao vivo Vampire Weekend, Arcade Fire, Two Door Cinema Club e Kings of Leon. Aliás, esqueci de comentar antes, mas um ponto fortemente positivo a respeito de Dublin é a questão dos shows. Aqui temos inúmeras oportunidades para presenciar as melhores bandas do momento. Muito provavelmente 2010 será o ano em que eu mais terei ido em shows na minha vida. Bom, nunca se sabe, né? Mas é o que tudo indica...
Para o final de ano, já estamos com tudo reservado para passar o Reveillon em Londres, o que também será um momento inesquecível. Eu amei a semana que passamos na Terra da Rainha em setembro e fico muito animado ao pensar que poderei aproveitar mais alguns dias por lá. E durante o ano novo ainda por cima! Demais!
Durante os dois primeiros meses de 2011, vou me concentrar em terminar meu curso de inglês e curtir meus últimos momentos na Irlanda, pois em março irei para Berlim. Decidi mudar meus planos iniciais e ir estudar alemão em um curso intensivo na capital germânica por três meses. Essa ideia surgiu após visitar o país em outubro e ter gostado muito do que vi. Somou-se a isso o fato de que tenho um forte interesse pela língua alemã e também o apoio dos meus pais, para que assim eu pudesse concretizar mais esse sonho. Acredito que será mais uma vivência impagável e creio que Berlim tem muito mais a minha cara do que Dublin. Vamos ver. Vamos viver!
Finalmente, em junho voltarei para Dublin por alguns dias para dar um adeus para os amigos que aqui ficam e, em seguida, se nada mais sair dos seus trilhos, eu viajarei de volta para o Brasil.
E pro futuro a longo prazo?
Sinceramente? Não sei. Não faço a mínima ideia... São tantas coisas que podem acontecer que é sempre bom deixar uma página em branco para poder escrever quando a vontade e a necessidade aparecem."
Dublin, 29 e 30 de novembro de 2010